Euro 2004
Desde o início que fui contra o Euro'04. Era uma iniciativa que claramente só servia para saciar ainda mais a ganância e a corrupção de alguns empreiteiros, e de outros médios e grandes vigaristas autarco-dependentes, como os futeboleiros.
Houve o campeonato e agora o que resta é o Estado um pouco mais falido; algumas contas off-shore ainda mais cheias; assim como 10 estádios de manutenção milionária, dos quais apenas 3 ou 4 serão realmente úteis para o futuro. Foi mais uma loucura nacional a provar que isto é a perfeita república das bananas.
Felizmente salvou-se o espectáculo, que foi excelente. Em termos futebolísticos, este foi o melhor campeonato de selecções que alguma vez acompanhei. Arbitragens absolutamente imparciais, algumas excelentes equipas, bom comportamento dos adeptos, com a excepção da praxe de meia dúzia de hooligans ingleses.
Num lado negativo supreendeu-me a inépcia de equipas como a França e a Alemanha, e tive alguma pena do abandono prematuro da Itália. Achei a Holanda irritante e muito pobre, e foi uma desilusão que eliminasse a Suécia nos penalties. Já a Espanha tinha uma grande equipa mas um treinador receoso e enervante, o que, diga-se, foi também o caso de muitas outras selecções, como França, Inglaterra, Holanda, ou Rússia.
Por outro lado, gostei muito de várias equipas. Suécia e Dinamarca foram brilhantes e prometem muito futuro; especialmente a primeira, com uma excelente nova geração. A República Checa pura e simplesmente não tem palavras que a descreva. Há muito que não via um estilo de jogo tão fluido e entusiamante. Infelizmente jogadores como Nedved, Poborsky, ou Köhler só devem continuar - se continuarem - até ao próximo Mundial.
Portugal foi surpreendente. Primeiro pela negativa. Um jogo terrível contra a Grécia, cujo resultado final de 2-1 só pecou por escasso para os gregos. Estes foram os únicos que estudaram antecipadamente o jogo e entraram em campo como uma verdadeira equipa. Portugal entrou sem qualquer preparação táctica e nunca jogou como um colectivo, mas sim como um conjunto de individualidades. Não foi portanto de admirar que do lado português a única constante fosse o perfeito e completo desnorte perante a precisão mecânica dos gregos.
Logo a seguir a esse jogo começou algo que foi simplesmente muito bonito - um crescendo em contínuo da selecção portuguesa. De um grau zero de estrutura futebolística, a selecção e a sua equipa técnica aperceberam-se finalmente de que estavam numa competição a doer, e que portanto tinham que começar a trabalhar a sério. Em cada jogo se viram novos melhoramentos, e cada exibição era um pouco melhor que a anterior tinha sido. Com a Rússia essa evolução foi ainda tímida e insegura. Com a Espanha já foi bastante mais acentuada, com muito trabalho de pressing, e uma estruturação táctica relativamente inteligente. Houve também a sorte de nuestros hermanos estarem a ser muito mal dirigidos por Saez. Com a Inglaterra deu-se o auge: uma exbição muito boa a praticamente todos os níveis. A meia-final com a Holanda já foi de pura gestão de esforços, contra uma equipa inibida e previsível.
A final contra a Grécia foi claramente um mau jogo. Apesar de Portugal ter jogado melhor que da primeira vez, jogou muito ansioso e repetiu vários erros que já antes tinham sido fatais. Jogou declaradamente ao ataque quando já se sabia que contra a Grécia isso não fazia qualquer tipo de sentido; situação agravada por um meio-campo português extraordinariamente macio e permeável, e por umas alas completamente detachadas do resto da equipa. Por outro lado, Scolari insistiu mais uma vez em Pauleta, jogador tipicamente de contra-ataque, não apropriado a lutas entre os centrais. Se em outros jogos essa aposta se justificava - como contra a Rússia ou a Holanda -, aqui o lugar devia ter sido de Nuno Gomes.
Voltaram os rodriguinhos - incrível como os jogadores portugueses se lançavam vezes sem conta contra 4 ou 5 gregos à espera da finta milagrosa que resolvesse o jogo.
Quanto ao golo sofrido, esse foi inenarrável. Contra uma equipa especialista em bolas paradas deixaram-se apenas seis portugueses a marcar cinco jogadores gregos. Foi uma atitude sobranceira paga com um título europeu.
No entanto, e apesar das falhas de Portugal, o mérito vai todo para a Grécia, que ganhou este Europeu com toda a justiça. Aqui está uma equipa que, sem quaisquer estrelas e individualidades passa para a História como uma das mais sólidas selecções de sempre. Não joga para o espectáculo, mas não é isso que se pede - o que se pede é que ganhe, e isso a Grécia sabe fazer. Tacticamente, é perfeita. Cada jogador é uma peça de uma máquina eficaz; cada qual está onde é suposto estar, no momento adequado, e tudo funciona em perfeita sincronia. É uma equipa extremamente inteligente que controla o jogo a seu bel-prazer, mesmo quando se mostra dominada. Ver franceses ou portugueses a jogarem contra os gregos era algo como ver uma horda desorganizada de bárbaros a atirarem-se em suicídio colectivo contra a parede de escudos e lâminas de uma legião romana ou de uma falange alexandrina, passe a violência da comparação.
Rehhagel e os gregos provaram ao mundo que é possível a uma equipa pequena ganhar grandes competições. E vieram mostrar - especialmente às equipas italianas - que o catenaccio bem jogado está vivo e recomenda-se.