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Filhos de um momento



Vida...morte...

Desde do início da sua existência que o Homem se questiona acerca destes conceitos. O que é a vida? O que é a morte? A legitimidade da vida? A legitimidade da morte?

O aborto consegue talvez reunir todas estas eternas questões da humanidade de uma só vez... Será importante referir, que quando falo aqui em aborto, falo mais precisamente da interrupção voluntária da gravidez (não vou incluir neste post outro tipo de fenómenos como o aborto espontâneo, completamente involuntário e causado a partir de causas orgânicas). Milhares de mulheres portuguesas, ou mais provavelmente milhões, já fizeram pelo menos um aborto na sua vida. Milhares destas mulheres já morreram nas marquesas (muitas delas possivelmente nem tiveram a sorte de morrer numa marquesa, tendo em conta as condições precárias em se fazem os abortos) sob o tecto da clandestinidade. Muitas delas sofreram grandes lesões, quer a nível físico (como por exemplo, a esterilidade), quer a nível psicológico (como por exemplo, depressões).

Tendo em conta o fio condutor do meu discurso, possivelmente muitas pessoas julgarão, que tenho uma pose de piedade e de misericórdia (do tipo, "coitadinhas" ) para com as mulheres que porventura em dada altura das suas vidas, fazem um aborto... Nada que se pareça...o que anteriormente tentei transmitir é que muito difícilmente se encontrará uma mulher que consiga fazer um aborto de ânimo leve. Nenhuma mulher se levanta de manhã e pensa para consigo própria: "Hmm...não tenho assim nada para fazer...ah...já sei...vou fazer um aborto!". O aborto é uma decisão difícil julgo que para qualquer mulher que seja, e é muitas vezes um acontecimento que deixa para trás grandes sequelas, a vários níveis.

Dito isto, acho importante que se tente perceber as razões pelas quais as mulheres portuguesas fazem abortos. Os cenários podem ser imensos...um descuido de uma noite; as condições precárias que dificilmente alimentam mais uma boca; a falta de informação (porque ao contrário do que muita gente pensa, a falta de informação em relação à sexualidade ainda é um problema em Portugal, sobretudo nos meios mais desfavorecidos); isto só para citar alguns.

Alguns poderão argumentar que não existe qualquer tipo de desculpa aceitável para se tirar um vida. Nesse caso, várias questões se impõe na minha opinião. Primeiro, à que fazer uma distinção entre vida e qualidade de vida...entre viver e sobreviver...e na minha opinião a vida é demasiado valiosa, para se condenarem seres humanos a simplesmente sobreviverem. Vida implica viver, em todo o sentido da sua palavra, implica dignidade. De qualquer das formas, torna-se um pouco difícil pensar na valiosidade de uma vida quando se têm 13 anos e ainda se brinca às barbies e se descobre que afinal se está grávida (situações que acontecem com uma frequência bastante maior do que aquilo que as pessoas imaginam); torna-se difícil aceitar trazer um novo ser a este mundo quando mal se consegue dinheiro para pagar a renda.

Como acho que já puderam reparar, tomo uma posição favorável à despenalização do aborto...mas com algumas implicações. Despenalizar simplesmente o aborto apenas iria resolver uma parte dos problemas que este fenómeno acarreta. Para uma eficaz tentativa de resolução deste problema, várias medidas teriam de ser tomadas e um plano sólido teria se ser construído. Acima de tudo, o problema do aborto não começa na "marquesa", começa muito antes disso, mais precisamente na prevenção. À que começar por fortalecer as campanhas de prevenção e informação a nível de sexualidade. À que começar por estender essas campanhas aos locais mais rurais e às periferias. À que começar a realizar acções nas escolas, o mais cedo possível, de preferência desde o 5.º / 6.º ano de escolaridade. À que começar pela informação aos jovens e também aos adultos. À que começar pela distribuição de contraceptivos de uma forma mais acessível (muitas pessoas não sabem que nos centros de saúde se podem ter consultas de planeamento familiar, onde inclusivé, se distribuem gratuitamente preservativos e onde é possível se receitar pílulas a custo zero), penso inclusivamente que as escolas poderiam ter um papel fundamental nesse aspecto, a nível da informação e até distribuição (por exemplo, de preservativos). À que começar pela responsabilização, de preferência o mais cedo possível.

À semelhança da prostituição ou da toxicodependêcia, penso que o aborto nunca terá um verdadeiro fim, o que não significa que este facto seja um impedimento para se tentar resolver da melhor forma este flagelo. Daí que apesar de tudo existirão sempre mulheres que farão abortos. Nesse caso, deveriam então, além de todas as medidas de prevenção que enunciei, serem também criadas, medidas de actuação. O que são então aquilo que designei como medidas de actuação? Bem, é o seguinte...primeiro seria importante criar gabinetes de orientação em que acima de tudo se faria uma espécie de levantamento da situação pessoal da pessoa em questão (a situação que a levou a querer realizar um aborto, as condições pessoais, etc...). Após essa análise, seria então dado um parecer, em que, ou se aconselhava realmente o aborto, ou em que se sugeriam outras opções (como por exemplo, adopção). O aborto neste caso, surgiria como uma medida extrema, digamos assim, na medida em que apenas seria aconselhada em último caso. Obviamente que o fornecimento de opções para além do aborto, implicava reformas e melhorias nas instituições sociais que possuímos, acordos e subsídios a nível da segurança social e também uma grande redução na enorme burocracia que existe, no que toca à adopção de crianças. De modo a que estas pudessem ter uma família, no menor tempo possível (já agora é de referir que muitas vezes a institucionalização causa efeitos bastante negativos nestas). Obviamente para que tudo isto funcionasse, seria necessário uma constante articulação entre estes gabinetes e os serviços de adopção, a segurança social, e as várias instituições sociais que posssuímos.

Caso a opção do aborto fosse em frente, então aí a pessoa teria direito a todas as condições materais, de higiene e de assistência, na realização do seu aborto (independentemente da classe social a que pertencesse). Após a realização do mesmo, seria feito um acompanhamento quer médico, quer psicológico, durante um determinado espaço de tempo. E além disso seriam aplicadas medidas para a informação e responsabilização, para que determinada pessoa tenha meios, por assim dizer, de não cair no mesmo erro de novo e desta forma de não repetir um novo aborto.

Só assim, se puderá resolver (na minha opinião) da melhor forma a questão do aborto. Só assim se valoriza em todo o seu sentido a palavra vida...