terça-feira, abril 27, 2004



O amor é belo... independentemente daqueles que o vivem.

domingo, abril 25, 2004

A morte já não sai à rua.

Pelo mestre:

A Morte
Saiu à rua
Num dia assim
Naquele
Lugar sem nome
P'ra qualquer fim

Uma
Gota rubra sobre a calçada
Cai

E um rio
De sangue
Dum
Peito aberto
Sai

O vento
Que dá nas canas
Do canavial

E a foice
Duma ceifeira,
De Portugal

E o som
Da bigorna
Como
Um clarim do céu

Vão dizendo
Em toda a parte
O pintor morreu

Teu sangue
Pintor, reclama
Outra morte
Igual

Só olho
Por olho e
Dente por dente
Vale

À lei assassina
À morte
Que te matou

Teu corpo
Pertence à Terra
Que te abraçou

Aqui
Te afirmamos
Dente por dente
Assim

Que um dia
Rirá melhor
Quem rirá
Por fim

Na curva
Da estrada
Há covas
Feitas no chão

E em todas
Florirão rosas
Duma nação


(A Morte saiu à rua - José Afonso)



Esta música faz-me estremecer. Pela força que tem. Pela carga emocional desesperada que desponta em cada palavra. Pela beleza raivosa que floresce em cada verso.
E pelo que foi, e já não é. A morte já não sai à rua. A razão: um dia de Heróis.

25 de Abril de 1974.

É fácil esquecermo-nos.
Fácil demais.

sábado, abril 24, 2004

Homenagem...



Mais Alto

Mais alto, sim! mais alto, mais além
Do sonho, onde morar a dor da vida,
Até sair de mim! Ser a Perdida,
A que se não encontra! Aquela a quem

O mundo nao conhece por Alguém!
Ser orgulho, ser águia na subida,
Até chegar a ser, entontecida,
Aquela que sonhou o meu desdém!

Mais alto, sim! Mais alto! A Intangível
Turris Ebúrnea erguida nos espaços,
A rutilante luz dum impossível!

Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber
O mal da vida dentro dos meus braços,
Dos meus divinos braços de Mulher!

Florbela Espanca

terça-feira, abril 20, 2004

'A maneira mais fácil de se corromper um jovem é instruíndo-o a ter em mais alta consideração aqueles que pensam de modo igual ao seu próprio do que aqueles que pensam de modo diferente'

Friedrich Nietzsche

O sabor das cores...



Composição IV, Wassily Kandinsky

Ao João (Metamorfopsia) #2

Fico grato por finalmente, e pelo menos parcialmente, teres colocado a discussão ao nível do qual não deveria sair: o da discussão - e não tentativa de subjugação - de ideias. Tens a tua visão em relação ao filme, eu tenho a minha, e sobre isso podemos de facto falar. É tudo.

Faço só uma ressalva: eu não gostaria de ver uma adaptação perfeita. Gostaria apenas de não ver uma caricatura. É possível fazer adaptações de romances alterando milhentos pormenores, e as adaptações serem excelentes (assim à primeira lembro-me do Lord of The Rings, Nome da Rosa, Trainspotting). Quando tal é bem feito, é muito saudável. Mostra que quem as faz tem criatividade e não se limita a copiar as histórias para o grande ecrã, mas antes lhes imprime uma alma própria, diferente da original, mas não de menor qualidade. Não é isso que se passa com o filme de Coppola, que considero realmente uma aberração. Como penso já ter dito anteriormente, em Arte aceito TUDO. Acho que a Arte deve estar desligada de qualquer tipo de preconceitos, constrangimentos, ou prisões ideológicas. A única forma de Arte que eu não tolero é a má arte que se alimenta à custa da boa arte. Isso é pura e simplesmente boçal. E é como eu considero o filme de Coppola.

Em relação a este ponto penso estarmos esclarecidos. Foi um ponto salutar na tua 'Nota'. Mas outros pontos há que são, no mínimo, problemáticos.

Chegados aqui, não há nada melhor que uma citação:

«Ao ver excessos, excedi-me eu também, em crítica ao post, e não ao senhor que o escrevia. Mas parece que isso não ficou claro (...) A forma como me dirigi ao post foi, sem dúvida, dotada de um estilo de escrita talvez muito próprio (...) Mas ainda tenho um certo ponto de equilíbrio entre diversas pulsões. Não sou mal-educado, e não faço juízos impróprios. Ao que parece, também isso não ficou claro.»

Penso que aqui haverá um grave problema de comunicação, ou, em última análise, de linguagem. A primeira frase é flagrante, e mereceria um nobel pela criatividade. Não João, tu não criticaste o post; criticaste o 'senhor' que o escrevia - guess who - de um modo que, sendo inequívoco, foi também prepotente, mal-educado, e pejado de juízos impróprios. Foi unicamente isso que ficou claro, nunca o contrário.
Penso que houve aqui um grave problema de linguagem.
Linguagem, é - como, suponho, saberás melhor que eu - um código de símbolos, através do qual se pode estabelecer uma comunicação entre interlocutores. Portanto, para que uma comunicação se estabeleça entre dois interlocutores, ambos têm que comunicar pela mesma linguagem. Não foi isso que aconteceu. Não podes dizer bogalhos, ou coisas piores acabadas em -alhos, e esperar que o outro entenda alhos, só porque tu achas que assim deveria ser. Do mesmo modo, não podes demonstrar arrogância e prepotência, e esperar que o outro se sinta lisonjeado pela tua atenção. Isso é um capricho teu, que no mínimo é perigosamente egocêntrico.

Tal princípio também se aplica ao 'diálogo ao estilo inglês', que foi algo ao qual pura e simplesmente não tentaste dar início. O 'diálogo ao estilo inglês' - se é que tal ainda existe - é caracterizado por fleuma, e não por prepotência auto-ostentatória.

Passando à frente:

«Parece-me que não era eu que esperava «um pretexto» para qualquer coisa, mas sim o senhor dos Devaneios.»

O ridículo presente nesta afirmação é tão pungente que é quase orgásmico.

Se eu fosse paranóico, diria que estás a tentar 'apagar' as pistas com poeira, passando o ónus da responsabilidade desta discussão para as minhas mãos. Assim, teria sido eu que, devaneante, escreveria posts aparentemente inocentes, com o intuito escondido de te provocar. Aliás, na verdade a própria criação deste blog teria provavelmente sido para te provocar. E eu, criatura maldosa e distorcida que sou, esperaria silenciosamente nas sombras à espera do melhor momento, do melhor pretexto, para escrever mais um post inocente para te fazer ir aos arames. As novelas da TVI não teriam melhor argumento.


....bem, mas o facto é que eu não sou paranóico. Assim, parto do pressuposto simples de que foste vítima de um poderoso ataque epiléptico, caíste para cima do teclado, e, mecânica e incontrolavelmente, os teus dedos digitaram tal atrocidade sem que pudesses fazer nada para o evitar. É a única hipótese plausível, penso eu.

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Para terminar, só um esclarecimento:

«O campo da psicologia não é o meu. Não faço retratos dos outros.»

Vamos a ver se nos entendemos. Não é a psicologia que faz o teu retrato. Sou eu. Disso não tenhas quaisquer dúvidas.

domingo, abril 11, 2004

Meu querido Tiago...(A Certeza da Dúvida) nada me dará mais prazer do que te dar "luta". Para falar verdade, quando li o teu post pensei imediamente se haveria ou não de te conceder uma resposta. De qualquer das formas, após ter lido o mail que me enviaste, não resisti à tentação...
Primeiro que tudo...quero esclarecer um ponto. Receio que no teu post tenhas feito uma ligeira distorção daquilo que referi em relação ao terrorismo. Isto porque, não defendo de forma alguma que os fins justifiquem os meios. E penso que isso está bem delineado no meu post: "...e também se poderá aplicar ao caso da ETA. Isto porque, nestas duas situações acima referidas, não se dá o caso de violência gratuita, de sangue pelo sangue. Nestes casos referidos temos uma razão, um motivo, algo que permanece como causa de luta (apesar de a forma de actuação não ser legítima)."
Em segundo lugar...a única razão pela qual eu defendo uma tentativa de diálogo em relação a determinados grupos terroristas é precisamente pelo facto de estes possuírem algo (neste caso, a causa defendida pelo grupo) que possa servir de ponto de partida para uma possível negociação. Ou seja, algo que em que possas "pegar" para precisamente por um ponto final neste "cancro" que é o terrorismo.
Tendo em conta a delicadeza deste assunto, na minha opinião, é um erro crasso estares a pôr tudo no mesmo "saco". Os processos eficazes de combate ao terrorismo não passam pela política do "alinha-os todos em fila indiana e fuzila-os". Tal como disse no meu post acerca deste assunto, a realidade é bem mais complexa do que isso. E é devido a essa complexidade que esses processos devem ser mediados individualmente, dependendo obviamente do contexto. Seria muito bom sem dúvida, se as coisas funcionassem do modo como tu as vês, se fossem assim tão lineares. Atrevo-me até a dizer, que enquanto eu mostro uma faceta mais prática da questão, tu mostras a tua face mais idealista em relação a este tema. Mas a verdade, é que enquanto estamos aqui a divagar, mais um ser humano foi sacrificado à custa do terrorismo. A minha pergunta é apenas tão simples quanto isto...será que não há uma melhor forma de resolver as coisas? Sinceramente...acho que em determinhadas situações essa forma pode existir.
Em relação a uma das críticas que eu teci no meu post...foi precisamente a postura do mundo a "preto e branco" que tu mostras na tua crítica. O mundo não é feito de um agregado de cores estanques. Estas misturam-se entre si e dão origem a uma enorme complexidade de telas.
Se o terrorismo é insustentável? Sem qualquer sombra de dúvida. Então talvez valha a pena tentar travá-lo, mas da melhor forma possível. E qual será essa forma? Talvez com o menor derrame de sangue possível.

Quantas mais pessoas terão de ser sacrificadas, Tiago?

sábado, abril 10, 2004

Never met a wise man, if so it's a woman...

Nirvana, Territorial Pissings

sexta-feira, abril 09, 2004

Ao João (Metamorfopsia)

Antes de mais nada, deixemos algo bem claro. O teu post «A aberração» não merece resposta. É um post escrito de forma mal-educada e prepotente, e denota uma altivez (para não dizer, arrogância cultural) que não sei, nem quero, interpretar. Não aceito tal atitude em ninguém, quanto mais vinda de alguém com quem nunca tive qualquer contacto.
Em qualquer outra circunstância, nem olharia duas vezes para o post. Neste caso isso não acontece por uma única razão: pelo que me é dado a entender és amigo de alguém que prezo e respeito. Isso, para mim, é razão suficiente para não ignorar nem passar à frente.

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(há algo que me surpreende e intriga; o modo como partes para a provocação e para o insulto soft apenas por causa de um filme. Pergunto-me se a tampa não estaria para saltar há mais tempo, tendo sido este o pretexto - extemporâneo, diga-se - encontrado?)

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De qualquer maneira, para mim é uma incógnita o modo como deveria abordar o teu post. Valerá mesmo a pena dizer o que quer que seja? É que, pareces já ter algumas ideias bem sólidas, quer sobre a minha pessoa, quer sobre a opinião que queres que se tenha do filme em questão. O Bram Stoker's Dracula será, portanto, indiscutivelmente excelente, e qualquer posição que desafie o dogma não é para levar a sério. Mentalidade perigosa, que reflecte uma clara dificuldade em lidar com a divergência de gostos e opiniões.
Mas eu até te explico porque é que não suporto o filme.
Não, não é por ter o que quer que seja contra o cinema americano.
Também não é por Francis Ford Coppola -- que realizou Apocalipse Now e os três Godfather, filmes que adoro.
E também não é por não gostar de filmes de terror (embora BSD dificilmente possa ser considerado um filme do género), até porque gosto desse tipo de filmes.

(Infelizmente, em qualquer um destes aspectos, não me pareço enquadrar em nenhum estereótipo despersonalizante sacado à pressão, vejam só o azar....)

Se não suporto BSD versão Coppola é por um motivo inteiramente diferente. De resto exposto no post que deu origem a toda a tua ofendida indignação -- considero esse filme uma perfeita caricatura da obra na qual se baseia (aparentemente não terás prestado atenção a este ponto no meu post...). E acrescento, uma demonstração da mais completa falta de respeito pela visão de Bram Stoker.

O romance original é uma história clássica da luta do Bem contra o Mal, contada à maneira vitoriana. Dracula é a perfeita encarnação do Mal, com um objectivo simples: instalar-se em Londres e dar início a um reinado de sangue e dominação. As pessoas que contra ele vão lutar estão imbuídas dos pressupostos de um sentido de heroísmo intemporal, condimentado com o carácter vitoriano: coragem, voluntarismo, integridade, gentlemanship, Razão. É uma obra prima do terror, recheada de momentuns poderosíssimos.

O que Coppola fez foi pura e simplesmente virar tudo isso de pernas para o ar. Distorceu completamente narrativa e personagens por igual. Dracula passa a ser um romântico incompreendido, e, os que o perseguem, uma espécie de pobres de espírito degenerados. Onde havia ideal, passa a haver a perversão do mesmo; onde havia coragem passa a haver cobardia; onde havia voluntarismo passa a haver imbecilidade (em nenhum personagem isto é mais evidente que em Quincey).
Custa ver Seward a injectar opiácios, Arthur como pateta alegre, Mina e Lucy convertidas em meninas porno, ou Van Helsing passar de consciencioso homem de Razão a fanático religioso sem carácter.

Simultaneamente, há uma superficialidade perturbadora que perpassa todo o filme. Apesar de contar com um elenco de luxo, a maior parte das representações são catastróficas (as duas grandes excepções são Gary Oldman e Anthony Hopkins); a grande generalidade dos diálogos e situações são constrangedoramente artificiais e desconexos; a obsessão em encontrarem-se "agendas sexuais" escondidas nos personagens é mais uma facada em Bram Stoker e parece ter sido inspirada em psicanálise de quinta categoria.

Tudo isto resulta no que considero um enlatado para consumo rápido. E algo que, em termos de adaptação, o melhor que consegue é ser uma caricatura, uma paródia de péssimo gosto, à obra de Stoker; e que tem o desplante de se afirmar Bram Stoker's Dracula. Se há algo com que não posso é com arte medíocre que tem que se afirmar à custa do trabalho dos outros.

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Continuando: a certo ponto no teu post aparece, 'Ate lá, manter-me-ei incrédulo perante a aguda irreverência do crítico de serviço'. Aguda irreverência é bom. Tomarei isso como um elogio. Crítico de serviço nem por isso. Roça o insulto e é francamente entendiante. A tua 'incredulidade' é algo de pior: de novo a mesma obsessão pela dominação estética e ideológica, pela subjugação do oposto. A tua opinião acima de todas as outras. Imagino-te colado à janela de casa, cara vermelha de ódio, suor a escorrer pela testa, a urrar incontrolavelmente, porque nas últimas quatro horas viste nada mais nada menos que três pessoas a passarem na rua com livros de Saramago debaixo do braço (se bem que uma também trazia o DVD do Bram Stoker's Dracula, e a essa deste-lhe um desconto)

Mas o melhor aparece em:

'Porque «aberração aberração» é aquela que ele diz em relação a Saramago num outro post:
em Portugal detestam-se os inovadores, ou pura e simplesmente, aqueles com ideias
diferentes. Saramago é um tipo assim
. Será que, em toda aquela confusão de temas, não
trocou os argumentos?'

Uma pérola de retórica muito inflamada mas com conteúdo zero. Apenas a repetição da tendência já mencionada, para a intolerância ideológica e para o egocentrismo intelectual. Mas com a agravante de aqui haver um teor provocatório muito mais acentuado que em todo o resto do post. De qualquer maneira, seria bom saber qual é de facto a «aberração aberração». Será a de que que em Portugal não se querem os inovadores e aqueles com ideias diferentes? Ou a de que que Saramago é inovador e tem ideias diferentes? Ou ambas?
Ou nenhuma das três opções anteriores?
E já agora, também seria bom que explicasses porque é que a «aberração aberração» o é. Ainda não percebi as tuas razões para achares isso. Regra geral, as bocas prepotentes atiradas ao ar têm este defeito, não permitem tirar conclusões palpáveis.
Por outro lado, teria sido construtivo que tivesses comentado este ponto do Saramago em tempo útil, em vez de vires agora utilizá-lo de modo duvidoso, como muleta retórica. Este blog até tem opção de comments, vê lá...

Um outro ponto interessante é aquele da 'confusão de temas'. Suponho que tem a ver com a variedade de assuntos que aqui são mencionados. Pelos vistos, essa variedade é uma coisa má, confusa. É de facto lamentável que criemos tal Babel temática. Estou a ver que temos que evitar falar em tudo o que nos interessa e passar a restringir-nos a um ou dois temas fixos para não causar demasiada confusão. Quem sabe?, talvez passemos a falar só de culinária ou dos resultados do triatlon. Outra opção viável seria adoptarmos uma agenda político/partidária que dê para o show off.

A importância de contextualizar...

Deparamo-nos nos últimos tempos, como será compreensível, com um leque de temáticas que emanam dos acontecimentos mais marcantes da nossa realidade humana. Falo de guerra, de paz, de tumulto, de luta, de formas de luta consideravelmente questionáveis...
Onde quero chegar com isto...? Numa só palavra: terrorismo.
Palavras sonante...a "arte" de criar e espalhar o terror. Não vou embarcar em subjectivismos e irei apenas limitar-me a falar um pouco acerca do terrorismo tal como nós o vemos, ou seja, pelas suas "fronteiras" palpáveis. De qualquer das formas, muito se tem falado ultimamente acerca da questão do diálogo / não diálogo , no que toca ao terrorismo e aos seus "porta-estandartes".
Bem...acima de tudo, há uma questão que na minha opinião é fulcral para se ter uma discussão racional e saudável, no que toca a este assunto tão delicado e complexo. Essa questão é precisamente o contexto. Ou melhor, a importância de contextualizar. E o que é que isto significa? Significa não ficar "preso" a qualquer tipo de estereótipo, ou de pôr toda a "farinha" no mesmo "saco". A verdade é que a realidade é bem mais complexa do que um simples agregado de categorias e para uma boa análise desta, é necessário o nosso esforço para lermos as "entrelinhas". Ou seja, com isto tudo, basicamente o quero dizer é: quando falamos em terrorismo, temos de ter algum cuidado, isto porque, há terrorismo e há terrorismo. Isto é, apesar do resultado final acabar por ser sempre o mesmo, existem diferentes tipos de terrorismo. Por exemplo, o terrorismo praticado pela ETA não pode ser comparável ao terrorismo praticado pela Al-Qa'ida. Isto prende-se sobretudo pelas bases que estão subjacentes a cada um destes grupos. Ou seja, pelas razões que estes apresentam para justificarem os seus actos.
E é precisamente tendo isto em conta, que se pode então iniciar uma reflexão acerca do diálogo ou não com grupos terroristas. A meu ver, existem na verdade grupos terroristas ou situações de terrorismo em que pode e mais importante, deve existir o diálogo. Isto por exemplo aplica-se à situação Israelo-Palestiniana e também se poderá aplicar ao caso da ETA. Isto porque, nestas duas situações acima referidas, não se dá o caso de violência gratuita, de sangue pelo sangue. Nestes casos referidos temos uma razão, um motivo, algo que permanece como causa de luta (apesar de a forma de actuação não ser legítima). Este diálogo, como muitos pensarão, não é sinónimo de cedência, ou de rendição. Será antes uma tentativa de resolver os conflitos de uma forma em que todos possam beneficiar. Uma mostra de racionalidade, ao invés do orgulho altivo que pode perpetuar o derrame de sangue.
Mas como disse à pouco, há terrorismo e há terrorismo. E se há situações em que o diálogo deve ser utilizado, existem outras também em que infelizmente este não é possível. Ao escrever isto à memória surge-me imediatamente o nome da Al-Qa'ida. Basicamente a Al-Qa'ida não tem outro motivo ou objectivo senão a destruição do mundo ocidental, tendo como principal "ódio de estimação" os Estados Unidos da América. Embuídos num fundamentalismo extremo, não dão mostras de qualquer tipo flexibilidade. Neste caso, sim, temos provas de violência o mais gratuita possível, sem qualquer tipo de razão objectiva aparente. Devido a todas estas características, não creio que o método da tentativa de diálogo funcionasse.
O que eu posso concluir então, é que acima de tudo, cada caso deve ser tratado como único. Cada questão discutida com todos os prós e contras. E para isso é essencial contextualizar, para que assim não tropeçemos no erro do "mundo a preto e branco". O bom-senso só poderá ser então adquirido se conseguirmos ir para além das prisões ideológicas e perceber que o mundo que nos rodeia é formado por uma enorme complexidade de cores.

quinta-feira, abril 08, 2004

Notas soltas...

Poucas coisas me têm feito reflectir tanto nos últimos tempos como a categorização do mundo político/ideológico em Esquerda e Direita. Por muito ultrapassados que estes conceitos sejam no mundo actual (ou melhor, no mundo real actual...), são no entanto conceitos que continuam a constituir perigosos atalhos mentais, não só no que diz respeito à categorização (ou melhor, rotulação) de ideias; como, o que é pior, para a perpetuação de intolerâncias, prepotências, estereotipagens, e segregações entre seres humanos, por mera e simples questão de paradigma político.
Simultaneamente, continuam a sustentar, e a dar imponderável justificação, a uma mentalidade dualista que está disposta a tolerar situações gritantes de corporativismo e de desonestidade activa, apenas por motivos político/partidários.
Preocupam-me bastante os efeitos que tais prisões mentais (e geralmente culturais...) podem ter nas populações, num mundo que, mais que nunca, precisa de debate e de honestidade intelectual para resolver os seus problemas.

Neste momento não tenho tempo para desenvolver o assunto, mas é algo que farei muito em breve..

Alguém se lembrou de meter uma caixa de Prozacs na campa de Bram Stoker?

Primeiro foram os 50.000 repetitivos remakes de Dracula. O apaparicado smoking preto. O laçarote ao pescoço. O cabelo penteadinho e limpinho demais para ser verdade, especialmente para um tipo que passa o dia inteiro enfiado dentro de um caixão. Bem, ao menos os filmes eram engraçados, e sempre é verdade que os gigantescos Bella Lugosi e Christopher Lee salvaram repetidamente a honra do convento, filme após filme.

Depois, a catástrofe.
Francis Ford Coppola acordou uma bela manhã com a ideia de fazer a pior aberração da história do cinema, e conseguiu-o. Fica o mérito de mais niguém em toda a História ter conseguido caricaturar com tal mestria um romance original...
(bem sei que depois disto vou ser odiado blogosfera fora, toda a gente adora o raio do filme *suspiro de isolação* ...pelo amor de Deus, até o Blade é melhor !)

Após a tempestade, largo interregno, durante o qual se pensou que o conde ia ser deixado a atormentar as prateleiras dos estúdios de Hollywood, e que a alma do pobre escocês que o criou ia finalmente ter alguma paz.
Mas o mundo pode ser cruel. Eis que Bram Stoker parece ter que se preparar para mais umas boas doses de ginástica debaixo da terra, uma vez que a Universal Pictures se prepara para lançar um filme que já foi mencionado como aquilo que deveria ser uma espécie de sequela da aberração... chamar-se-á Van Helsing e até agora promete. Estou, claro, a ser sarcástico.

O protagonista é obviamente Van Helsing (Hugh Jackman), que parece ter feito uma plástica e um programa de rejuvenescimento radical; e, de velhote académico e relativamente inofensivo, passa agora a ser um matulão caçador de vampiros. Os alhos e o crucifixo ganham a concorrência de um pequeno arsenal de armas de sofisticado design, e até o guarda-roupa é extremamente credível para a época, parecendo basear-se nas novas tendências Primavera-Verão para motoqueiros.

Mina Murray é "substituída" por uma espécie de amazona enfurecida chamada Anna, o filme vai ter muita acção, coisas destruídas, sangue, projécteis, membros arrancados,....., e o Mal é representado, como seria de esperar, pelo bom velho Conde Drácula. Assim como por um lobisomem. Assim como pelo monstro de Frankenstein....
....bem, posso ser eu que sou lento, mas...qual é mesmo a ligação entre estes três tipos? Serem tipos maus? Mas aí, porque não aproveitar e dar ainda mais conteúdo em termos de gente bera? Sei lá, podiam também meter Van Helsing a andar à porrada com outros fulanos verdadeiramente maus, como sejam Nosferatu, Sauron, Elizabeth Bathory, Jack the Ripper, Paulo Portas,...., bom, as possibilidades são genuinamente infinitas.

Cheira-me a um trágico cocktail de Blade, League of Extraordinary Gentlemen, e aberração.... Bom, esperemos para ver...

quarta-feira, abril 07, 2004

(Da boa utilização dos calmantes)



I

Ai-nhá-nhá-nhá-nhá! Será que este paisano me vai obrigar a esperar muito assim, a mim, que ainda sou do tempo em que se serravam as pernas sem anestesia? Na verdade, a minha longevidade extraordinária permitiu-me percorrer o longo caminho que vai de Arcole a Moscovo e de Magenta a Reichshoffen para terminar na Avenida de Tourville, e de ver alguns destes majores desde Marjolin até Nélaton. E fora precisamente um desses senhores que eu viera consultar, por causa de umas dores de cabeça.
Depois de fazer continência, o médico pôs-se em sentido para inquirir o meu caso, que lhe expliquei por meio de alguns desenhos por mim traçados na parede; é que, como disse o baixinho da madeixa, um croquis diz-me mais do que o mais longo discurso.
As minha explicações devem ter sido muito claras, pois, pegando num serrote, retirou-me uma lasca da cabeça, que examinou atentamente.
- Está a entrar-lhe o bicho - disse-me. - Temos de substituir por outra de mogno.
- Mas assim fico a parecer um preto - exclamei.
- Então - replicou. - Já estou a ver o que precisa. Precisa de uns calmantes.


II

- Ó papá, o qué que o sinhor me vai fazer?
- Nada, rapaz, não vai fazer nada.
- Então, se ele não vai fazer nada porqué que me trazem ao sinhor?
- Porque estás com dores, nino, estás com dores.
- Ó papá, sabes melhor do que eu?
Ele já ia a dar-me uma estalada, quando entrou um sujeito. O meu papá chamou-lhe senhor doutor.
- Então o que é que tem o miúdo?
- Dói-lhe a cabeça, senhor doutor.
- Se calhar, estuda de mais.
- Quem, ele? É um cábula!
Olha que esta agora, eu cá não sou nenhum cábula, por isso deitei a língua de fora ao papá.
O doutor olhou para ele e disse:
- Já estou a ver o que é, precisa de uns calmantes.


III

O médico marcou-me consulta, e eu pensei cá para comigo: porreiro, não vou ter que esperar.
Cheguei lá; quinze pessoas. Não fiquei nada contente. Felizmente, tinha lá revistas. Pus-me a olhar para as figuras. Doze pessoas. Fiz as palavras cruzadas. Oito pessoas. Fiz o problemas de bridge, mas como não sei jogar, foi bastante difícil.
Por fim, chegou a minha vez.
Entrei. O médico disse-me: dispa as calças.
- Ah, desculpe - disse-lhe. - Vim cá porque me dói a cabeça.
- Ah ah, dor de cabeça - disse-me ele. - Tem ideias fixas?
- Tenho, fixas à cabeça.
- Consegue localizar a dor?
Localizar - que é que ele queria com aquele localizar? Mais uma palavra fina para assustar as pessoas.
- Vou examiná-lo - disse-me ele.
- Isso não é coisa difícil - disse-lhe eu e abri a boca e mostrei o dente do siso, o que está estragado.
Pôs-se a olhar para ele e disse-me:
- Já estou a ver o que é. Precisa de uns calmantes.


in Contos e Ditos de Raymond Queneau (1979)

terça-feira, abril 06, 2004

"Posso discordar com o que tens para dizer, mas defenderei até à morte o teu direito de dizê-lo"

Voltaire

domingo, abril 04, 2004

Saramago

Correndo o risco de este blog ser confundido por 'Saramago fan club': poucas coisas me têm impressionado tanto como a perseguição organizada a José Saramago por parte de larga fatia da sociedade portuguesa, como sempre em seguidismo de algum do seu mais notabilizado status quo.
Os pretextos são que o homem não sabe escrever, que usa muitas vírgulas, que ninguém percebe o que escreve, o que é tramado, o homem é analfabeto, talvez até ordinário, como é que ele ganhou o Nobel?; que é um espécie de maléfico 'esqueleto' estalinista; que é um herético porque escreveu o Evangelho Segundo Jesus Cristo; que detesta Portugal porque vive em Espanha; que ataca a democracia com a temível ameaça do voto em branco; que gosta de carne em vez de peixe e de peixe em vez de carne. Aguardo ansiosamente o dia em que digam que Saramago não presta porque não usa desodorizante.

Isto, caro leitor, chama-se Inquisição, e está à altura da mediocridade ideológica de uma qualquer Censura e da má vontade de um Torquemada. Simultaneamente, é um fenómeno sociológico interessante. Saramago tornou-se um saco de porrada nacional; e várias aberrações intelectuais se desenvolveram em redor deste ódio. Por exemplo, hoje em dia roça o 'chique', é quase sofisticado, dizer-se que nunca se leu Saramago, mas que, ainda assim, se acha que ele é mau escritor, uma vez que tem posição política X e disse Y numa entrevista; e como ele é mau escritor, pronto, não vale a pena ler. É daquelas posições broncas, demagógicas, e irresponsáveis em que o tuga é pródigo.

Em Portugal debatem-se pessoas em vez de ideias, escândalos em vez de contextos, e lê-se bogalhos ou coisas piores onde originalmente está escrito alhos. E em Portugal detestam-se os inovadores, ou pura e simplesmente, aqueles com ideias diferentes. Saramago é um tipo assim.

Primeiro atreveu-se a colocar em cheque os dogmas e convencionalismos da literatura portuguesa, o que, claro, é gravosa ofensa para todos os representantes do nazismo cultural em Portugal.

O segundo maior atrevimento foi escrever uma assumida ficção sobre a vida de Jesus Cristo, o que meteu em polvorosa fanáticos religiosos e moralistas de ocasião, por igual medida (mas aí o fenómeno não foi só por cá, valha-lhe ao menos isso).

O terceiro atrevimento é ser um tipo bastante frontal, que diz a sua opinião e critica o seu país de origem nos aspectos que acha que devem ser corrigidos. Mas a mentalidade tuga detesta frontalidade e sente-se em casa nas águas turvas das meias-palavras e da hipocrisia. Para além disso é por natureza acomodada e passiva e não vê com bons olhos que lhe venham apontar defeitos. Em consequência, e para justificar a sua falta de civismo e de tolerância democrática para com opiniões divergentes, entretem-se a encontrar 'defeitos' naquele que expõe essas opiniões. Neste caso, a vida que Saramago mantem em Lanzarote (como se alguém tivesse o que quer que seja a ver com isso), que, na boca da demagogia de trazer por casa, muito popular por cá, é sinal de anti-patriotismo; assim como as preferências estalinistas de Saramago, que, por detestáveis que sejam (é a minha opinião), nunca deveriam contar para uma discussão consciente de princípios, problemas, soluções. Quando a democracia é saudável não se faz como é usual por cá - não se debatem as pessoas em vez das ideias.

O quarto atrevimento de Saramago foi ter ganho o Nobel. Estou convencido que esse foi de facto o ponto determinante, o verdadeiro imperdoável da questão. O tuga típico está disposto a 'perdoar' o estilo de escrita e as 'heresias' à volta de Cristo, rotulando-os de excentricidades e olhando o seu autor com a condescendência petulante que se dedica a um 'génio louco', um tipo engraçado, com imaginação, mas do qual há que manter as devidas distâncias, "porque não é um de nós".
Mas o que o tuga não está disposto a perdoar, aquilo que de facto o mete piurso por dentro, é que esse excêntrico, o tipo que desafia os padrões sociais e age e pensa de modo diferente, que esse excêntrico ande por aí a ganhar reconhecimento junto de gente credível e a ter sucesso na vida. O tuga não tolera sentir-se inferiorizado; que é o que sente quando vê um homem como Saramago vencer na vida. É um padrão cultural já com larga tradição em Portugal, essa inveja, essa dor de corno. Quando isso se manifesta, estala o verniz e passa a valer tudo: a quadrilhice, a invenção de boatos difamatórios, o insulto velado no cinismo das palavras.


Falo de Saramago como poderia falar de muitos outros. A nossa História é pródiga em pessoas que, sendo maltratadas cá, são acolhidas de braços abertos em países onde se dá valor à criatividade e ao valor individual. Até quando terá que ser assim, pergunto eu?