A caixa de chocolates
Tinha estado a dormir. Apagado, simulado, alheado. Quando acordou, lembrava-se de muito pouco. Visões difusas das semanas anteriores, tempo que passa sem deixar rasto. Definição. E inconcretização. Sonhos artificiais que se desvanecem na poeira dos dias, os placebos de uma sanidade que ilude e dessensibiliza cada pequeno momento que passa. Cada segundo disparado ao lado do alvo. Lembrou-se dos seus próprios erros. E dos erros do destino. Poderiam ser remendados?
Levantou-se e acendeu um cigarro. E depois apagou-o.
Abriu as janelas e ali ficou um pouco, de olhos fechados. Limitando-se a sentir o abraço do sol e o leve sussurro do ar fresco.
Voltou para dentro, olhou em redor. A caixa de chocolates continuava no centro da mesa. Ainda embrulhada em carinho, ainda envolta em laços de expectativa. Evidenciado no topo da caixa, o pequeno bilhete vermelho. Não precisou de olhar para o bilhete para se lembrar do que lá tinha escrito alguns dias antes. Amo-te, ao ponto do compromisso. Segurou pacientemente na caixa. Estava a ganhar pó. Limpou o pó, procurando não macular o embrulho. E meteu aquela música específica a tocar. A que o fazia lembrar-se daqueles olhos que hesitavam em revelar a sua beleza. Os mesmos olhos, os que agora lhe faziam ainda mais sentido do que antes. Os olhos nos quais ele se via reflectido, miragem após miragem.
Aumentou o volume da música enquanto se recostava nalgum monte de almofadas. Espreguiçado, significado, desgrenhado. A sentir-se inconsequente e com uma alma imensa. A mais tola e a mais bela das combinações.
Durante alguns minutos, o seu olhar divagou filosoficamente entre a caixa de chocolates e a porta da rua. Por fim, pegou na primeira e dirigiu-se para a segunda.