A morte já não sai à rua.
Pelo mestre:
A Morte
Saiu à rua
Num dia assim
Naquele
Lugar sem nome
P'ra qualquer fim
Uma
Gota rubra sobre a calçada
Cai
E um rio
De sangue
Dum
Peito aberto
Sai
O vento
Que dá nas canas
Do canavial
E a foice
Duma ceifeira,
De Portugal
E o som
Da bigorna
Como
Um clarim do céu
Vão dizendo
Em toda a parte
O pintor morreu
Teu sangue
Pintor, reclama
Outra morte
Igual
Só olho
Por olho e
Dente por dente
Vale
À lei assassina
À morte
Que te matou
Teu corpo
Pertence à Terra
Que te abraçou
Aqui
Te afirmamos
Dente por dente
Assim
Que um dia
Rirá melhor
Quem rirá
Por fim
Na curva
Da estrada
Há covas
Feitas no chão
E em todas
Florirão rosas
Duma nação
(A Morte saiu à rua - José Afonso)
Esta música faz-me estremecer. Pela força que tem. Pela carga emocional desesperada que desponta em cada palavra. Pela beleza raivosa que floresce em cada verso.
E pelo que foi, e já não é. A morte já não sai à rua. A razão: um dia de Heróis.
25 de Abril de 1974.
É fácil esquecermo-nos.
Fácil demais.